domingo, 10 de abril de 2016

Qual o papel do branco na luta negra e periférica?

(Este texto tem como finalidade apontar uma reflexão sobre as críticas e as defesas feitas a exposição do Rafucko na Maré.)



As elites brancas sempre tiveram distintas concepções sobre o desenvolvimento do racismo. Mas nunca tiveram dúvidas em relação ao combate do protagonismo negro em relação sua própria defesa. Durante a escravidão, existiram aqueles brancos que defendiam que aos escravos fossem garantidos mínimos “direitos”. Esses grupos se tornaram abolicionistas e, hoje, evoluíram e dominam a esquerda brasileira (partidária e não partidária). É inegável que desde a sua origem, os brancos “bem intencionados” contribuíram em algum grau para as lutas dos negros no Brasil, mas ao passo que colaboraram, também fortaleceram o racismo, na medida que impediram que os negros fossem protagonistas de suas próprias lutas. 

Um branco pode defender um negro? Claro que sim. Não só pode, como deve! Mas é preciso se reportar ao passado para entendermos como, em regra, essa “defesa” branca se manifestou ao longo da história. Muitos abolicionistas por exemplo, militavam em defesa da abolição mas ao mesmo tempo criticavam os levantes quilombolas. Muitos teóricos ainda hoje fazem isso.  O que não faltam são exemplos de play boys e patis que dizem defender a favela fazendo ciranda, falando de “paz”, de “amor”(...). O que não faltam são feministas brancas que ousam apontar o dedo para favelados afirmando que esses só defendem o ódio e a reação proporcional dos oprimidos “por que tem testosterona”. Um discurso altamente racista e machista que desconsidera a existência e a luta de todas as mulheres negras que utilizam o mesmo princípio de “reação” e o ódio contra seus algozes.

Quanto defensores dos direitos humanos, sejam advogados, organizações, comissões, ativistas, parlamentares... temos no Rio de Janeiro? Desses, quantos são negros? A atuação deles está errada pelo fato de serem pessoas de classe média/alta/Brancas que lutam contra violações de direitos que não as atinge? Recentemente, por exemplo, o deputado estadual Marcelo Freixo apresentou um projeto de lei que visava proibir a revista vexatória, prática do Estado que atinge diretamente MULHERES NEGRAS E PERIFÉRICAS. A pergunta é, ‘o fato do deputado ser branco e de classe média, faz com que seu projeto seja racista?’  

Essas são algumas perguntas que precisamos nos fazer para compreendermos melhor o caso concreto de Rafucko, comediante de esquerda, que teve o auge de sua carreira em Junho de 2013, quando ganhou fãs por apresentar um trabalho que tinha como norte o combate a Eduardo Paes, Cabral, Globo, Bolsonaro e, sobretudo, em defesa dos manifestantes. Neste meio ele é um dos únicos que me parece ainda (espero que nunca) ter se vendido para a grande mídia.

Pelo que li, Rafucko ganhou um financiamento para fazer uma residência e uma exposição na Maré. Neste trabalho ele criou e apresenta uma série de “produtos” que fazem uma sátira as olimpíadas sob o prisma do genocídio. Ele é branco, morador da zona sul, segundo as críticas rico, e fez uma exposição na Maré.

Me parece que existe inúmeros debates que podemos travar a partir desse fato, vou coloca-los pontualmente.

1 – Quantos favelados participam desse projeto?

2 – Ele pode vender um produto que fala de uma realidade que ele não vive?

3 – Por que o mesmo público que compra os produtos feitos pelo Rafucko, não comprariam tais produtos se feitos por uma mulher, ou homem negro e/ou periférico?

4 – Se Rafucko está errado, parcial, ou completamente por essa exposição, quem tem propriedade para critica-lo ou defende-lo, você, mulher ou homem branco vizinhos de Rafucko, ambos moradores da Zona Sul?

A diferença entre “Colaboração” e “Apropriação” é fundamental para darmos tom a esse debate.
Em geral, seja lá qual for a discussão, um playboy ou uma paty sempre acreditam que tem “direito” a expor sua opinião da mesma forma do que a pessoa que vive aquela realidade. “Todos temos o direito de defendermos os negros”, é o princípio que muitos usam para garantir que os negros sigam sem comandar sua própria defesa.

Não acho que Rafucko teve intenção de ser racista, mas isso não pode ser usado como parâmetro de sua defesa. Todo defensor de um negro que não tenha como norte de sua defesa a colaboração para a emancipação dos negros, que não tenha a intenção de “passar o bastão”, está contribuindo com a manutenção do racismo. Você é defensor dos direitos Humanos, beleza. Mas no que você contribui para que os favelados possam se auto defenderem?

Francamente, eu não vejo que o pior problema dessa exposição seja o fato dele ganhar dinheiro com isso, como alguns apontaram. Até porque, seria um avanço, na minha visão, que todos os playboys passassem a ganhar dinheiro denunciando as olimpíadas e não sendo garotos propaganda da Globo, como é o caso da maioria dos comediantes de esquerda e de direita. O maior problema, mora no público do Rafucko comprar essas bugingangas na mão dele e não nas mãos de nenhum favelado. Isso evidencia um racismo que está muito acima da intenção do Rafucko, é o racismo estrutural. A figura do Rafucko (homem, branco da zona sul), agrega valor ao trabalho e me parece que esse é o X da questão.

Sobre a obra em si, sinceramente, prefiro um branco fazendo um trabalho como esse (por mais que respeito todas críticas feitas pelos meus) do que, fazendo o que quase todos os comediantes e artistas plásticos fazem:  tacam cocô na parede, colocam um vaso de cabeça pra baixo, tiram uma foto de um favelado soltando pipa, fazem caminhadas (safaris)... e vendem sem nenhum recorte político-social, e da mesma forma são extremamente valorizados por isso. Ambos, são reconhecidos como “artistas”  principalmente pelo mesmo motivo: POR SEREM BRANCOS DE CLASSE MÉDIA ALTA.

Esse caso deve nos abrir uma profunda reflexão, que não pretendo encerrar neste texto. O que é arte? Quem diz o que é arte? Pra quem ela serve? Quem pode falar da periferia?


Acho que o maior problema neste, e em todos os outros casos, que envolvam brancos da zona sul que se colocam como defensores da favela, é a não prioridade de políticas que envolvam a emancipação daquele espaço frente a própria ajuda enviada. Se ao lado da exposição, Rafucko tiver como prioridade a construção de alguma oficina permanente que desenvolva com a comunidade a arte como forma de denuncia social, eu o defenderei. Do contrário, seu trabalho seguirá mantendo a mesma lógica enraizada há 400 anos no Brasil. Um discurso branco que ataca brancos, mas que de nada contribui para a emancipação do negro. 

3 comentários:

  1. Caro PH Lima, faltou só a 5ª pergunta, são as obras de arte apresentadas no Monstruário do Rafucko, obras de arte racistas?
    Na minha opinião sim. É um conjunto de acessórios que expressam e banalizam o racismo.
    Não me importa nem a cor, nem a classe, nem a religião, nem a ideologia política de quem cometa um ato racista, seja intencional ou não, se o ato for racista, a tolerância da sociedade em relação ao ato racista deve ser é zero
    Racismo, este é o tema em pauta.

    ResponderExcluir
  2. Que texto confuso. O branco atrapalha o negro, mas deve lutar pelo negro... Mas isso não atrapalha? Ah, o branco tem que lutar pelo negro pra que o negro é que lute por sua emancipação. Não faz sentido. Um branco fez algo para mostrar a situação dos negros. Ponto. Como alguém vê problema nisso? Se o negro quiser ou tiver como, ele irá fazer sua arte e mostrar sua situação. O Rafucko não tem nada a ver se um negro não pode fazer o que ele pode, ele luta pra que o negro possa fazer. Mas se o negro não faz o Rafucko é racista? Sentido? Nenhum. No que mostrar violência contra negros é atrapalhar negros em sua emancipação?

    ResponderExcluir
  3. Quem permitirá que as negras e os negros se emancipem de maneira econômica e socioeconômica?
    Será que é necessário desenhar que racismo existe?
    Como foi constituída a Maré? Como seus moradores, cuja maioria é negra, vivem? Quais são seus sonhos e os obstáculos materiais que os inibem?
    Enfim, a juventude negra está sendo negligenciada no seu direito de resposta e os brancos continuam se dando bem demais.
    Enquanto não entenderem que existe uma simbiose entre racismo e capitalismo, o debate continuará fraco.

    ResponderExcluir