(Este texto tem como
finalidade apontar uma reflexão sobre as críticas e as defesas feitas a
exposição do Rafucko na Maré.)
As
elites brancas sempre tiveram distintas concepções sobre o desenvolvimento do
racismo. Mas nunca tiveram dúvidas em relação ao combate do protagonismo negro
em relação sua própria defesa. Durante a escravidão, existiram aqueles brancos
que defendiam que aos escravos fossem garantidos mínimos “direitos”. Esses
grupos se tornaram abolicionistas e, hoje, evoluíram e dominam a esquerda
brasileira (partidária e não partidária). É inegável que desde a sua origem, os
brancos “bem intencionados” contribuíram em algum grau para as lutas dos negros
no Brasil, mas ao passo que colaboraram, também fortaleceram o racismo, na medida que impediram que os negros fossem protagonistas de suas próprias lutas.
Um
branco pode defender um negro? Claro que sim. Não só pode, como deve! Mas é
preciso se reportar ao passado para entendermos como, em regra, essa “defesa”
branca se manifestou ao longo da história. Muitos abolicionistas por exemplo,
militavam em defesa da abolição mas ao mesmo tempo criticavam os levantes
quilombolas. Muitos teóricos ainda hoje fazem isso. O que não faltam são exemplos de play boys e
patis que dizem defender a favela fazendo ciranda, falando de “paz”, de
“amor”(...). O que não faltam são feministas brancas que ousam apontar o dedo
para favelados afirmando que esses só defendem o ódio e a reação proporcional
dos oprimidos “por que tem testosterona”. Um discurso altamente racista e
machista que desconsidera a existência e a luta de todas as mulheres negras que
utilizam o mesmo princípio de “reação” e o ódio contra seus algozes.
Quanto
defensores dos direitos humanos, sejam advogados, organizações, comissões,
ativistas, parlamentares... temos no Rio de Janeiro? Desses, quantos são
negros? A atuação deles está errada pelo fato de serem pessoas de classe
média/alta/Brancas que lutam contra violações de direitos que não as atinge? Recentemente,
por exemplo, o deputado estadual Marcelo Freixo apresentou um projeto de lei
que visava proibir a revista vexatória, prática do Estado que atinge
diretamente MULHERES NEGRAS E PERIFÉRICAS. A pergunta é, ‘o fato do deputado
ser branco e de classe média, faz com que seu projeto seja racista?’
Essas
são algumas perguntas que precisamos nos fazer para compreendermos melhor o
caso concreto de Rafucko, comediante de esquerda, que teve o auge de sua
carreira em Junho de 2013, quando ganhou fãs por apresentar um trabalho que
tinha como norte o combate a Eduardo Paes, Cabral, Globo, Bolsonaro e,
sobretudo, em defesa dos manifestantes. Neste meio ele é um dos únicos que me
parece ainda (espero que nunca) ter se vendido para a grande mídia.
Pelo
que li, Rafucko ganhou um financiamento para fazer uma residência e uma
exposição na Maré. Neste trabalho ele criou e apresenta uma série de “produtos”
que fazem uma sátira as olimpíadas sob o prisma do genocídio. Ele é branco,
morador da zona sul, segundo as críticas rico, e fez uma exposição na Maré.
Me parece
que existe inúmeros debates que podemos travar a partir desse fato, vou coloca-los
pontualmente.
1 –
Quantos favelados participam desse projeto?
2 –
Ele pode vender um produto que fala de uma realidade que ele não vive?
3 –
Por que o mesmo público que compra os produtos feitos pelo Rafucko, não
comprariam tais produtos se feitos por uma mulher, ou homem negro e/ou periférico?
4 –
Se Rafucko está errado, parcial, ou completamente por essa exposição, quem tem
propriedade para critica-lo ou defende-lo, você, mulher ou homem branco
vizinhos de Rafucko, ambos moradores da Zona Sul?
A
diferença entre “Colaboração” e “Apropriação” é fundamental para
darmos tom a esse debate.
Em
geral, seja lá qual for a discussão, um playboy ou uma paty sempre acreditam
que tem “direito” a expor sua opinião da mesma forma do que a pessoa que vive
aquela realidade. “Todos temos o direito de defendermos os negros”, é o princípio que muitos usam para garantir que os negros sigam sem comandar sua própria defesa.
Não
acho que Rafucko teve intenção de ser racista, mas isso não pode ser usado como
parâmetro de sua defesa. Todo defensor de um negro que não tenha como norte de
sua defesa a colaboração para a emancipação dos negros, que não tenha a intenção de “passar o
bastão”, está contribuindo com a manutenção do racismo. Você é defensor dos direitos Humanos,
beleza. Mas no que você contribui para que os favelados possam se auto
defenderem?
Francamente,
eu não vejo que o pior problema dessa exposição seja o fato dele ganhar
dinheiro com isso, como alguns apontaram. Até porque, seria um avanço, na minha visão, que todos
os playboys passassem a ganhar dinheiro denunciando as olimpíadas e não sendo
garotos propaganda da Globo, como é o caso da maioria dos comediantes de esquerda e de direita. O maior problema, mora no público do
Rafucko comprar essas bugingangas na mão dele e não nas mãos de nenhum
favelado. Isso evidencia um racismo que está muito acima da intenção do
Rafucko, é o racismo estrutural. A figura do Rafucko (homem, branco da zona
sul), agrega valor ao trabalho e me parece que esse é o X da questão.
Sobre
a obra em si, sinceramente, prefiro um branco fazendo um trabalho como esse (por mais que respeito todas críticas feitas pelos meus) do
que, fazendo o que quase todos os comediantes e artistas plásticos fazem: tacam cocô na parede, colocam um
vaso de cabeça pra baixo, tiram uma foto de um favelado soltando pipa, fazem caminhadas (safaris)... e vendem
sem nenhum recorte político-social, e da mesma forma são extremamente valorizados por isso.
Ambos, são reconhecidos como “artistas” principalmente pelo mesmo motivo: POR SEREM BRANCOS DE CLASSE MÉDIA ALTA.
Esse
caso deve nos abrir uma profunda reflexão, que não pretendo encerrar neste texto. O que é arte? Quem diz o que é
arte? Pra quem ela serve? Quem pode falar da periferia?
Acho
que o maior problema neste, e em todos os outros casos, que envolvam brancos da
zona sul que se colocam como defensores da favela, é a não prioridade de
políticas que envolvam a emancipação daquele espaço frente a própria ajuda
enviada. Se ao lado da exposição, Rafucko tiver como prioridade a construção de alguma
oficina permanente que desenvolva com a comunidade a arte como forma de
denuncia social, eu o defenderei. Do contrário, seu trabalho seguirá mantendo a
mesma lógica enraizada há 400 anos no Brasil. Um discurso branco que ataca
brancos, mas que de nada contribui para a emancipação do negro.